Mário Sérgio Baggio

NOITE DE CACHORRO

      Como faz todas as manhãs, o cachorro tira o homem de casa e o leva para passear. Andam pelas ruas ainda vazias, moldura adequada para a caminhada silenciosa de um cachorro e um homem. Toda manhã é o mesmo: o homem, animal treinado, ergue uma das pernas para mijar em cada esquina. É um hábito, coisa de homem que sai todas as manhãs com seu cachorro para passear. Um leva o outro, não se sabe quem conduz quem. Homem leva cachorro, cachorro leva homem.
      Caminham evitando as poças d’água que a tempestade da noite anterior deixou como lembrança. Becos pichados, ruas cheias de sombras, avenidas sem vivalma, ladeiras íngremes, praças desertas – o passeio do cachorro com seu homem não conhece limites nem escolhe atalhos. Caminhar é preciso. O chão molhado reflete a silhueta dos dois, fantasmas silenciosos que avançam e se apoderam do espaço estendido à frente.
      O cachorro olha o relógio, o homem late. Ambos bocejam. Um pássaro negro voa baixo, pia de forma agourenta. O homem levanta uma das pernas e mija pela última vez. Hora de fazer o caminho de volta.
      Acorda com o latido insistente de um cão na vizinhança. Apoia-se nos cotovelos. O suor escorre, abundante, empapa seu pescoço e peito. Sente o líquido que desce até os lábios, desaparecendo queixo abaixo. Engole uma gota: salgada. Respiração arfante, acende a luz e olha o teto. Estica o braço e alcança o caderninho de notas na mesa de cabeceira. Escreve: “Chamar o encanador, telhado ainda com goteiras. Urgente: pegar mais pesado na terapia”.
      Devolve o caderninho à mesa e volta a encostar a cabeça no travesseiro. Olha a goteira no teto e suspira, exausto. Noite de cachorro, outra vez!