Entrevista - Diego Moraes



Quem é Diego?
Um cara que não quer nada com vida que não vire boa literatura. Um sujeito que abdica de padrões impostos pela sociemorte para escrever contos, poemas e o escambau.

Diego, o mundo tem salvação? 
Só existe poesia porque o mundo não tem conserto. Porque não tem salvação. Não tem como fazer poesia no paraíso porque deve ser um lugar chato e enjoativo pra cacete. O caos é para os escritores. Para caras que se fodem e transformam as fuleiragens da vida em versos. A literatura é a arte de transformar baques da vida em delírios de sangue. De vez em quando me pego tentando consertar o mundo com uma chave de fenda, mas sei que é inútil. O mundo só piora para literatura ficar mais forte. A ideia de salvação é uma grande mentira. 

Tua poesia é um soco, na verdade, um espancamento na gente. Onde o Diego quer chegar? Ele já tá onde quer estar em termos poéticos?
A vida bate forte na gente. É preciso dar o troco fortemente com a literatura. Minha literatura está sempre mudando. Na linguagem, no estilo, no enredo, no discurso. Minha literatura é uma travesti que troca bastante de roupa antes de fazer programa. Meus livros são bastantes diferentes. Um transa com o cinema, outro com a poesia vinculada ao haikai e epigrama, outro trata do lirismo amor/junkie. O que vou lançar em novembro pela corsário é minimalista. A ideia é nunca se repetir. Escritor que se repete ri sempre da mesma piada. 

Muita polêmica ao redor de ti. Cansa? Irrita? É engraçado? Ajuda no marketing? 
Irrita porque hoje em dia se você brigar com uma pessoa, pode ter certeza que ela irá arranjar uma turma para detoná-lo na internet. É uma coisa bisonha que pensei que tivesse acabado na época do colégio. A internet é uma faca de dois gumes. Ela te dá visibilidade, mas o outro lado da moeda é muita inveja, mas isso é bom. A inveja me deixa de pau duro. Dá um gás para você escrever com mais fome. E a raiva é como a cocaína no corpo do Maradona. Ele corre mais e marca mais gols sem cansar. Ajuda no marketing sim. O leitor do teu inimigo vira teu amigo. Leitores da web são como aves migratórias. Eles vão onde a literatura está vingando melhor. Quanto mais falam de mim, mais leitores ganho. Sou um cidadão respeitado. Não tenho ficha na policia e acabo de tirar meu nome do Serasa. Só que gosto de brincar com personagem, alter-ego e o caralho a quatro. Aqui quem está falando é o Diego Moraes. O Urso é outra coisa. Quem quiser entender o Urso, que leia meu livro “A fotografia do meu antigo amor dançando tango”. Escritor também é ator. É mentiroso. Adora contar lorotas em sites, revistas e programas de televisão. A literatura é a arte da mentira e a poesia é uma mentira com asas. Só acho bisonho que escritores e professores universitários não saibam o significado da palavra autoficção. Não consigam identificar um autor traballhando neste gênero. Continuarei brincando. Não ligo se fazer mais inimigos com isso. Nada é mais importante que meu disco da banda joy division e minha garrafa de Passport. Um amigo disse dia desses: “esses caras que estão fazendo campanha para te derrubar não invejam só a tua literatura, invejam a tua voz ecoando, invejam teus leitores, a tua fama. Invejam a tua representatividade” Existe coisa mais cafona e sem propósito que implicar com a palavra “musa”? Dia desses alguns se juntaram para detonar minha página “musas da literatura”. Até um professor universitário sósia do Visconde de Sabugosa com virose me chamou de misógino. Desvirtuaram tudo. Trataram a página como a seção coelhinhas da playboy. Sendo que a “musas” está cheio de jovens e senhoras. Não tem ninguém de topless por lá. Musa inspira. Bando de falsos moralistinhas. Todo ano a Flip elege a musa da edição e não falam nada. Isso é coisa de escritor criado a danone. Fiz muito bem ter limado essas figuras da minha vida. Sou um sujeito criado na rua. Tenho mais vivência que todos os meus desafetos juntos. Eles só tem o diploma do curso de letras e uma sede danada de aparecer usando o meu nome. No fundo, todos me adoram. Como dizia Nelson Rodrigues: O amor e o ódio são eternos. Só não pensem que vou retribuir. Transformar inimigos em personagens de livro é confessar amor eterno. O lance é esquecê-los ou jogá-los no limbo onde os mortos dormem de conchinha. A literatura é um troço muito sagrado para virar barraco no estilo programa ‘casos de família’. Eu sou poeta. Uma ameaça. Um vírus que o avast não consegue eliminar. Por onde passo causo estrago. Se eu fosse mulher, meu apelido seria furacão.

Tem diferença do Diego da vida real para a escrita do Diego? A gente sabe que tua vida foi foda. Como tá tua vida agora? A poética aparece nos teus dias ou tá nos teus poemas apenas? 
O Diego Moraes da vida real enche mais a cara que o Diego Moraes das redes sociais. Escrever é passar o verniz. Aumento um pouquinho a vida na literatura, mas esquecem que não sou apenas um autor de autoficção. Meus livros publicados tem muita imaginação. Tem muito delírio fora do meu mundinho terreno. É que adoram fazer confusão com a minha imagem. É difícil ser bonito num país como o Brasil.

Acho tua escrita romântica. É um desiludido amoroso. A boa literatura depende da desilusão Diego? Por que poeta nunca se dá bem no amor? 
O amor serve apenas para virar pagode na voz do Péricles do exalta samba. Que eu nunca perca o juízo de gostar de alguém que me vira as costas. Porque o homem que ama o desprezo de uma mulher vira letra de pagode. Não tenho tempo para amar. Não tenho tempo para me enganar. Hoje em dia só me divirto e volto para casa na companhia dos meus rascunhos. Amar a literatura já está de bom tamanho. A literatura é uma gorda muito ciumenta.

Tu disse uma vez pra mim que não tinha esse negócio de bloqueio. Mas na tua escrita aparece um cara que já apanhou muito da vida, um cara cujo coração dói. O Diego nunca desanima a ponto de ficar sem palavras? 
Nunca tive bloqueio criativo. Tem um urso andando de bicicleta no parquinho do meu cérebro. Acontece que às vezes você não está com saco para escrever. Às vezes é melhor aproveitar a vida que se trancar no quarto e escrever até dormir de cara na escrivaninha. A maioria dos meus amigos confundem depressão com crise criativa. Eles deixam que a angústia ou a doença absorvam a criatividade. Não sentir vontade de escrever pode ser doença. Hoje em dia eu mando no meu delírio. Só deixo ele propagar como o fogo quando estou em casa. Não me permito pensar em literatura quando estou na rua. Ser escritor 24 horas por dia é um saco. 

Tu queria fazer projeto com cinema uma vez. A literatura às vezes te deixa insatisfeito? 
O cinema é um sonho de infância. É algo que almejo desde os tempos de moleque vendo Sessão da Tarde no sofá. A primeira namorada. Veio bem antes da literatura. O cinema me explica algumas coisas. É um professor na minha escrita. Me situa. O cinema também é uma arte narrativa. Só que mais glamorosa e cheia de efeitos. Penso em atuar e ver alguns textos meus adaptados. Não vai demorar. Um amigo cineasta de Brasília está buscando verba para produzir o filme da temporada que passei em São Paulo. E um cineasta de Manaus está pensando em adaptar um conto do meu livro “A fotografia do meu antigo amor dançando tango”. Estou muito perto de fazer cinema. É só uma questão de tempo. 

Na tua escrita a melancolia e a violência andam juntas. É uma fotografia da melancolia atual: é uma melancolia que agride, não é mais apenas contemplativa. As pessoas te confundem por conta dessa escrita pesada Diego? Tu acha que quem te lê entende o cara que tu realmente é? Tu se considera um cara de algum modo agressivo por se expressar assim tão sem pudores?
Sem melancolia não dá samba. As pessoas confundem muito autor e obra, né? Querem porque querem confundir narrador com autor. Coitado de Nabokov. Esse é o grande barato de fazer literatura. Confundir o leitor. Tempo desses um cara parou o carro na porta da minha casa oferecendo 500 reais para eu pegar a melhor cocaína da cidade e curtir com ele num hotel 5 estrelas da cidade com algumas prostitutas. Falei pra ele que o Diego dos contos é o Diego dos contos e o Diego Moraes da vida real estava assistindo programa de culinária na TV a cabo. Disse que ia chamar a policia e ele saiu fora cantando pneu. Pouca gente me entende. Acho que tem muita gente ingênua no mundo. Às vezes acho que sou um quadro de Dalí. 

A gente se agarra na literatura, em especial, se a vida não oferece mais nada. A literatura põe sentido no caos e na inutilidade da dor. Agora me diz, escrever é uma opção? Que Diego existiria sem a literatura? Ele existiria? 
 Escrevi meu primeiro conto aos 17 anos na laje da casa dos meus avós. Sem ajuda de ninguém. Sem intermédio de ninguém. Sem o empurrão de ninguém. Sem o toque de nenhum escritor. Apenas tomei coragem e escrevi. Meus tios brigavam no andar de baixo por uma dívida e subi a escada com um maço de folhas de papel almaço e uma caneta bic azul. Escutava as ofensas proferidas embaixo e apaziguava tudo com a literatura lá em cima coberto por uma coroa de estrelas no céu. O conto não era lá grande coisa. Falava de uma ex-prostituta que se apaixonava por um cara numa boate e envelhecia com ele num sítio do interior cheio de galinhas e porcos. Era mais ou menos 7 da noite e calcei um tênis branco e entrei num ônibus com esse conto guardado na carteira. Nesse tempo eu já bebia muito. Então entrei num bar do centro da cidade e pedi uma cerveja. Estava muito triste. O banco queria tomar a casa dos meus avós e não estava com a mínima vontade de voltar para o inferno da minha casa. Bebi uma, duas, três e antes de tomar a última tive coragem de puxar o conto do bolso e ler para as pessoas do bar. Lembro que antes do último parágrafo uma lágrima escorreu do meu rosto e o bar inteiro aplaudiu e eu senti uma sensação maravilhosa que percorreu meu corpo inteiro. Um êxtase. Desde aí disse para mim mesmo que descontaria os desgostos da vida com literatura. É que tenho feito desde que me entendo por gente. Só quero alimentar meu desejo de escrever contos e poesia. Quero só saúde para continuar a sentir adrenalina percorrendo meu corpo toda vez que adestro tempestades com meus lirismos.

A gente escreve pra tentar ser feliz? 
Escrevo para juntar os cacos do acidente. Escrevo para desafogar o trânsito. Não acredito nesse lance de ser feliz. Só acredito em poeta mordido com a vida. A felicidade nunca escreveu um verso que preste. Nunca acreditei em propagandas de bancos e margarinas.

Escrever num fôlego do cacete desses não é pra qualquer um. Tua escrita numa é rasa: isso não alimenta teu lado destruído ao invés de ajudar?
Sou autodestrutivo desde que me conheço por gente. Às vezes é necessário mergulhar várias vezes no inferno para ficar esperto. Como dizia Miguel Torga: "A maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida".

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Sobre o autor: 
Diego Moraes (Manaus, 1982) é um escritor brasileiro. Publicou os livros A fotografia do meu antigo amor dançando tango (2012), A solidão é um deus bêbado dando ré num trator (2013), ambos pela editora Barteblee, e Um bar fecha dentro da gente (2015), livro de poesias publicado pela Douda Correria, de Lisboa.

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