Entrevista - Juliana Hollanda


Quem é juliana? 
Alguém que tem mania de analisar e colocar tudo em pratos limpos, mesmo que nem sempre tenha saco para lavar a louça toda depois. 

Qual é o iceberg que a Ju acordou? Da onde ele surgiu? 
O iceberg é minha própria vida. Sabe quando você percebe que esteve durante anos fazendo tudo errado? Pois é... - Segundo Freud, a mente é como um iceberg que flutua na superfície de um oceano. Só vemos a ponta acima da água, mas embaixo está a região que contém pensamentos, desejos, sentimentos e lembranças para os quais não estamos conscientes. Por isso, a essa região submersa ele deu o nome de "inconsciente". E era exatamente isso que mais interessava, essa massa de paixões e pensamentos invisíveis, que ele acreditava estarem reprimidos ou bloqueados pela dor que causaria admiti-los. Freud percebeu que somos fortemente influenciados por esse inconsciente, muito mais que pelos pensamentos que dominamos de forma consciente. - e foi aí que o iceberg começou a derreter. 

Tu considera tua poesia feminina? Existe literatura feminina e literatura masculina? 
Não gosto de rótulos. Escrever é fluxo; a diferença está nos brinquedos. Sendo poesia, o brinquedo é a palavra e ela, tanto quanto a poesia é do gênero feminino. Já o poema é masculino. Então isso se mistura um pouco e entramos naquela velha discussão de quem veio primeiro, quem é melhor ... e na verdade, o que importa é esse caldeirão louco em que tudo se conecta e queima junto.

A poesia da Ju tem aquela sensação de dor existencial, faltas, desconforto com o mundo, icebergs. Na contracapa te descrevem ‘poeta, canceriana e apaixonada’. A Juliana é sensível demais? Tem como continuar apaixonada pela vida depois de acordar num iceberg?
Totalmente! Canceriana ao cubo multiplicado por 20. Devo ter entrado uma infinidade de vezes na fila do sentir. Tem coisas que só para de doer quando ferem fundo e são passadas para o papel. Restam as cicatrizes, mas isso, funciona para mim. Acordar num iceberg me deu ar, ânimo e vontade de nadar. Aquele mar gelado era imenso e eu eu tinha desistido de furar as boias de braço na aula de natação. 

Ainda sobre o tom da tua poesia, a Ju vive tudo que escreve? Poesia é sempre autobiográfica? 
Poema é percepção e têm coisas que se misturam, mas tudo é cinema! Prosa, crônica, desabafo, grito. Palavra de qualquer maneira. Sempre a palavra, não importa a forma. Na verdade, acho que depende do momento: ao invés de brigar e me enrolar com elas, esquecer o que quero falar, prefiro escrever uma carta e mandar para a pessoa. Acho que têm poemas meus que funcionam melhor lidos do que falados. O meu jeito de ler o que escrevo deve necessariamente ser diferente da maneira que as pessoas vão me ler... então, acho mesmo essa questão complicada. E essa é uma discussão que vai ficar para sempre como a outra discussão: poesia é música? Música é poesia? - são questões filosóficas. Para mim a palavra é viva sendo falada ou estando escrita. A palavra é roda-gigante! 

“Iceberg-se”. Você parece alguém sem medo de abismos, alguém que curte a aventura de carregar um iceberg, que aproveita a paisagem. A poesia é responsável por tirar o ‘gosto do asfalto dos atropelamentos’ que a Ju sofre? Por que a Ju escreve?
A poesia sempre tira o gosto do atropelamento. Às vezes de forma mais amarga e às vezes doce. É como um banho para lavar, se livrar; água para limpar. Algo como passar mertiolate nos machucados. Eles sempre estarão lá, assim como as cicatrizes, mas depois de um tempo, só a gente vê. Escrever é uma coisa fisiológica. É como sentir sede ou fome. Escrevo porque preciso sentir a dor e o gosto de cada palavra. 

A vida é boa?
A vida é febre, é turbilhão. Não que sempre seja boa ou perfeita porque nunca vai ser, mas é boa sim. 

Poeta sempre sofre por amor? Ou é um só uma cena poética pra largar as dores existenciais? 
Só posso falar por mim, mas sim, creio que o poeta sofre. Não acredito que esse rasgar-se seja cena. Só se rasga quem sofre muito e o amor não deveria ser alvo de sofrimento. Amar alguém é a coisa mais deliciosa do mundo! O amor é nosso! 

Tu diz no poema tudo o que quer dizer? Já deixou de dizer algo num escrito por um motivo externo? Já se sentiu muito exposta com a escrita?
Geralmente sim. Já cortei estrofes que julguei que pudessem ser mal interpretadas ou utilizadas de forma errada ou sem sentido fora do contexto. Já rescrevi um livro por causa disso (vertentes), minha vida muito clara, escancarada, então, resolvi reescrever mesclando poemas e prosa, inventei personagens e dividi em capítulos. Foi legal a experiência! 

Você volta aos teus escritos, muda, reescreve? Como é a escrita de um poema?

Às vezes sim, às vezes não. Alguns depois que escrevo acho que estão prontos, outros, ruins e guardo na gaveta, outros precisando de cortes... o processo depende do poema e ah! ler em voz alta ajuda também. Para mim, os seres humanos estão ligados por palavras invisíveis que foram ditas e estão voando como borboletas pelo ar. Palavras têm força e às vezes doem mais do que um tapa. Ferem. Machucam mais do que cortes. Palavras para mim também por outro lado têm o magnífico poder de cura. Palavra é remédio.

Tem bloqueio criativo? Fica com poema preso sem conseguir colocar pra fora?
Meu processo de criação é bem espontâneo, depende muito do que está em volta e se isso me desperta algum sentimento, não importa qual. Escrevo em qualquer lugar, no ônibus, no bar, no café, em casa... poema é jorro e é difícil dominar as lágrimas. 

Onde a Ju quer chegar?
Sei que posso percorrer todos os tropeços, montanhas, abismos; descalça. Tenho pés fortes, calejados e a poesia que alimenta em momentos de (des)esperança. Existe uma força que me guia em noites de tempestade e um lampião que faz do escuro; penumbra e, esse desejo incontrolável de continuar...


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