Entrevista - Márcia Barbieri



Quem é Márcia?
Estou sempre à espreita, à procura da palavra que me tire do chão, à procura do olhar inaugural que perdemos na infância, alguém que tenta a todo instante se desviar das burocracias cotidianas, dos infernos kafkanianos. A literatura ocupa a minha cabeça vinte e quatro horas por dia, embora, muitas vezes não consiga meia hora livre para escrever. No entanto, a escrita está ali, comigo, me espreitando também.


Tua escrita é ousada, direta, ácida. A Márcia é assim? Autor e escrita podem ter personalidades diferentes? 
Sou alguém totalmente diversa da minha escrita, ao menos aparentemente, e sei que isso deve ter sido bem decepcionante para muitas pessoas que me conheceram pessoalmente. Aliás, a maioria das pessoas que me conhecem depois de ter me lido costumam comentar que não entendem como eu posso escrever coisas tão ácidas. No entanto, talvez eu seja apenas mais socialmente adaptada do que os meus personagens. Os meus personagens não seguem as regras, não servem às leis, talvez todos eles sejam muito melhores do que eu, ou seja, o que almejo ser um dia, alguém não surrupiada pelo sistema.


A tua escrita apesar de ser em forma de romance é pura poesia. Ouço muitos poetas dizerem que não têm fôlego para escreverem romances. Como é pra ti esse processo de produção? Sempre escreveu nesse estilo? 
Eu comecei escrevendo poemas, embora afirmar isso me pareça blasfêmia, é melhor afirmar que escrevia algo e afirmava ser poesia. Considero a poesia a forma mais elevada de texto e espero conseguir chegar até ela um dia. Escrevo de forma muito lenta e com certeza sempre acho inalcançável chegar ao fim de um romance, principalmente porque me acho uma péssima narradora, quase esquizofrênica, talvez na literatura nossas falhas também sejam nossas melhores partes. Começo um romance com poucas ideias, poucos personagens, pouco cenários, aos poucos as coisas acontecem, os acontecimentos se impõem e é só se deixar levar pelo ritmo, não costumo me preocupar muito com as partituras, nem sei ler partituras...


Há espaço pra felicidade nesse estilo ácido de escrever? Há escrita na felicidade? 
Às vezes, é preciso de tristeza, abismo para que a escrita exista, mas acredito que nenhum louco pode ordenar narrativas. Enlouqueço quase sempre, entretanto, prefiro escrever na felicidade, a tristeza me deixa catatônica, paralisada.


A poesia é um lugar de prazer ou de alívio?
Não é fácil escrever, sofro demais para escrever, as ideias não me aparecem de forma fácil. Acho incrível quando escuto escritores afirmando que as histórias chegam aos borbotões, a mim vem de forma muito lenta. O prazer e o alívio vêm quase simultaneamente, sinto um prazer enorme ao conseguir escrever, mesmo que seja uma linha, e sentir que saiu bom, me sinto aliviada, um minuto depois a agonia reaparece...


Mulher que escreve com erotismo ainda sofre preconceito? Qual a repercussão disso?
Não sei responder se é exatamente preconceito... Eu escrevi “A Puta” em um ano e meio e durante esse período postei trechos no facebook, normalmente postava os trechos mais picantes, claro, como um recurso parco de divulgação, nunca recebi tantas cantadas em minha vida rs. Mas, talvez isso ocorra por causa da confusão autor-obra, confesso que adorei a confusão e me diverti muito com tudo isso... Quanto aos homens, os que tiveram a oportunidade de me conhecer pessoalmente se decepcionaram... Não sou nem bonita nem sensual nem tão sádica quanto A Puta, acho que isso depõe contra mim, rs. Alguns procuraram a personagem e tiveram o azar (ou quem sabe sorte) de se deparar com a artista.


A literatura te salva? Que lugar ela ocupa na tua vida?
A literatura me salva todos os dias, ela é essencial na minha vida. Todos falam sobre a inutilidade da literatura, mas não vejo essa inutilidade, a vida é mais inútil. Não vejo grande sentido na vida. Sabe aqueles ratos brancos girando a roda à toa? Então, a vida me parece com isso...


O cotidiano pode ser poético ou isso é utopia?
O cotidiano pode ser extremamente poético e já roubei muita poesia do cotidiano. Claro que, a maior parte do tempo ele é só burocracia e chatice mesmo, às vezes, é possível ludibriá-lo. 


Alguma vez já pensou em desistir de escrever? Já se frustrou com a literatura de algum modo direta ou indiretamente?
Me frusto muito com a literatura, não com a escrita em si, mas com o pouco reconhecimento da literatura, me pergunto, às vezes, pra quem estou escrevendo, pra quê escrever em um país sem leitores. Já pensei em desistir, muitas e muitas vezes... e esse pensamento me machuca profundamente. Às vezes, paro e penso: “Meu Deus, quase morro trabalhando e depois gasto tudo em nome da literatura! Não devo ser normal!”. A última vez em que pensei em desistir foi quando li uma entrevista da Hilda Hilst e ela diz em algum momento que é preciso que você saiba se escrever é mesmo essencial, a sua literatura faz a diferença, algo assim, não lembro claramente. Fiquei muitas semanas tentando me responder, nesse meio tempo me encontrei com você e com a Mar Becker, deixei meu livro com vocês e um dia você me mandou uma mensagem falando que o meu livro tinha te salvado, você nem deve se lembrar disso, senti aquilo como a resposta que eu esperava e aquilo me deu um novo ânimo.


Eu te considero tipo uma Clarice Lispector. Foda pra caramba. Tem alguma meta literária que a Márcia ainda quer cumprir, em projeto, estilo, ou coisa assim?
Muito obrigada!!!! Como falei na resposta anterior, escutar isso me faz seguir, querer seguir com mais certeza. Considero cada livro um projeto único, tento não me repetir de um livro para outro, mas acho isso quase impossível, acho que certos elementos nos perseguem. Espero conseguir escrever sempre e melhor. Tenho muitos projetos em torno da escrita, mas o principal e o maior de todos é conseguir escrever.


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