Márcia Barbieri

A PUTA (trecho: conversávamos assuntos)

Conversávamos assuntos banais para esquecer que era impossível fazer outra coisa além de esperar. Ele contava suas histórias de criança. Contava que colecionava percevejos dentro de um vidro de compota, e que um dia voltou para casa e sua coleção havia sumido, seu irmão tinha jogado fora. Não vi nada de interessante na sua história, mas observei que seus olhos se encheram d'água ao lembrar do irmão. Achei melhor não fazer comentários, a coisa poderia piorar, se havia algo detestável era homem chorando ou homem broxa, não sabia lidar com nenhum dos dois. Espremi todos os cravos da suas costas, imaginando que assim o tempo encurtaria, me distrai por umas duas horas. Depois abaixei e desencravei as dez unhas do seu pé. E o tempo continuava longo. Cheguei a quase gostar da sua companhia. E o tempo continuava esticado. Contávamos insetos que copulavam na parede, era engraçado imaginar que os insetos pudessem sentir orgasmos, que eles mudassem de posição para sentir mais prazer. E o tempo continuava distendido. Outros dias, ficávamos em silêncio observando as lesmas entrando e se arrastando pelo chão lamacento. Ele me olhava um pouco safado porque a trilha da lesma era tão semelhante à trilha que ele deixava na minha boca. E o tempo continuava alongando os membros. Na quarta-feira pegamos uma vasilha de barro e recolhemos algumas delas para o jantar, embora elas tivessem uma aparência repugnante, eram muito gostosas e nutritivas, pareciam muito com os quiabos, mas não eram verdes. E o tempo continuava com o pau ereto em nosso rabo.