Diego Moraes

O DOMINGO É UM VELHO CEGO QUE LÊ SOLIDÕES EM BRAILE

Está tudo aí
O rancor da manhã com o céu nublado
Os pombos que se escondem no forro da capela sistina pintada pelo Michelangelo do bairro
Está tudo aí
As moedas para comprar fósforos e o pão que o diabo amassa todos os dias e risca seu intestino com o café diário amargo da indiferença
Está tudo aí
A puta que escreve mal e faz carinho no cão que morderá seu calcanhar
O lixo revirado na esquina perto da macumba com bastante farofa, velas vermelhas e fotografias 3x4
Está tudo aí
Como diz o pastor da televisão de olhos azuis apontando em sua direção:
"A pomba gira manifestada na sua mãe com diabetes!
O Exu tranca rua gargalhando no câncer do seu pai!"
Está tudo aí
Nas feridas coçando na fissura do teu corpo
No ódio dos palermas que verão mais uma queda
Porque todos querem vê-lo fodido como uma cadela arrombada por um mendigo embaixo da marquise
Está tudo aí
Neste feriado de deus dormindo na rede da maldade humana
Neste poema cheio de pus que ninguém curtirá na internet e na esperança de seu único sapato furado servindo de penico para cocô de ratos
Está tudo aí
Na dor deste cigarro que tragas como se caminhões tombassem na avenida da tua artéria coronária
No coração engordurado bombando desamores
Nos apertos de mão cheios de desdém nos bares ocultos da inveja alheia
Está tudo aí
No travamento do rim das piores emoções
Na trombose da indiferença dos artistas mortos vangloriados por bacanas em salões de vernissagens
Nesta taça de vinho cheia de aroma de pesadelo e corrupção
Está tudo aí
Mas você permanece cristão
Prefere jogar todas as oportunidades fáceis que rastejam como serpentes no ralo da pia
E escrever como se fosse um santo
Está tudo aí
O domingo é um velho cego que lê solidões em braile.