Davy Nabuco

RELATO XLV

Não me apunhale assim sem aviso prévio, criatura, juro que evadir nunca me passou pela cabeça. Talvez tentasse evitar que a lâmina me penetrasse as costas, a jugular, o estômago ou qualquer outro desses alvos tornados célebres pelas notícias e pela ficção, mas esquivar-me, não, que abomino esse tipo de covardia. Tivesse conhecimento do intento, teria apenas preparado o couro pra que a dor não fosse tão fina. Com sorte o impacto agiria como uma carga distribuída e ao fim de tudo esta corpulência me serviria ao menos em uma ocasião e dissiparia alguma coisa para a terra. Tolice, o mundo sabe que não tenho sorte: bem capaz que desviasse a força pro meu calcanhar. Bem capaz que eu tivesse o mal de Aquiles e tombasse de uma vez só, sem pompa e sem nenhuma glória precedente. Tenho certeza de que não viraria lenda e de que jamais seria descrito por poeta algum, mas isso nunca pedi pra ninguém. Tudo o que me lembro de ter perdido foi uma garrafa térmica com café até a tampa pra mais uma noite curvado diante da minha prancheta, mas os deuses não podem jamais ceder sem uma jogada de dados. Pois bem, decidiram sem muita demora que jogariam os dados em mim e atiçariam o algoz.
Penso que só tenho a agradecer.