J.P. Marcowicz

EU SÓ QUERIA ESTAR DEITADO EM SEU COLO ESPERANDO O FILME ACABAR

Ela procurava um brinco que combinasse com as unhas recém pintadas de azul. Eu tomava uma garrafa de vinho ouvindo Dylan dizer que agora ela era uma mulher crescida, talvez ele soubesse que ela não ria mais das minhas piadas sacanas e nem se impressionava com as conversas sobre cinema russo. Ela andava de lingerie pela casa orgulhosa dos cinco quilos perdidos por causa de uma dieta milagrosa que viu numa revista. Já eu, bebia o resto do vinho tentando bolar um poema que de alguma forma vomitasse o sentimento que dilacerava minhas vísceras. Pensei que isso iria durar apenas alguns meses, mas já faz um ano e meu coração ainda é como um verso de amor escrito no cimento fresco por um poeta travado de cocaína. Antônio Abujamra morreu. O Brasil perdeu de 7 x 1 para a Alemanha. O mendigo que ficava aqui perto de casa entrou na igreja e está estudando para ser pastor. Mas seu rosto redondo com tristes olhos negros e com um sorriso de Gena Rowlands ainda povoam minhas noites de insônia. Ela foi ao banheiro e fez de conta que nem me viu. Eu continuei o papo que estava tendo com meus camaradas sobre a minha vizinha que fez um sex tape dando para o amante. Tomei mais algumas doses de conhaque e fui receber o abraço frio de quem já gozou em cima da pica de dois ou três caras depois de ter me esquecido. Falei mal da sua roupa de estagiária de direito comportada e ela retrucou falando das minhas botas sujas de barro e do meu hálito cheirando álcool. Senti falta da sua predisposição em passar a mão em meu peito e do seu perfume da Louis Vuitton que sua tia muambeira traz do Paraguai. Um playboy de blazer Armani Fit e sapatênis Lacoste conversava com ela. Mas ele não sacava que ela gostava que a ironizassem para dar uma risada exagerada. Não sacava que gostava de dividir um copo de whisky. Não sacava sua mania de pedir um cigarro quando estava bêbada. Mas tanto faz, o papo sobre a crise econômica mundial e as dicas de como ter uma carreira de sucesso no mundo empresarial foram o suficiente para ele sentir a língua que um dia já chupou meu pau. Ela saia de mão dada com ele enquanto eu pedia para tocarem uma balada brega do Aerosmith. Ela dava no banco de couro da Mercedes do pai dele e eu gastava todo meu salário com whisky falsificado ouvindo a banda tocar Nando Reis. Quando me dei conta já era dia e o Sol queimava meu corpo. O chão duro da calçada machucava minhas costas. Minha carteira foi roubada e as botas sujas de barro não estavam mais em meus pés. O amor fez com que um viciado comprasse cinco pedras à minha custa. Talvez eu esteja pegando pesado demais ultimamente. Talvez tudo isso tenha sido culpa dela. Na verdade eu só queria estar deitado em seu colo esperando o filme acabar.

Foto de Giulia Bersani.