Uma réstia de sol vaza pela cortina e o desperta. Não dormiu direito, a casa está suja, está sem emprego, sem dinheiro, e sem nenhuma puta pra dar uma socadinha. Levanta e caminha pro banheiro que fede a mijo e merda; escarra um pus amarelado do pulmão e cospe com força jogando água para fora da privada. Depois da mijada evita a própria cara no espelho. Sente vergonha, pena, quem sabe até raiva. Caminha até a cozinha e certifica do que já sabe, não tem café. Não tem nada, não tem café, não tem pão, não tem amor, não ânimo, não tem nada. Tateia sob a pia e encontra o último cigarro. Acende e caminha em direção à sala. Está tudo uma imundice, mas ele sabe e não dá muita bola. Liga o computador e depois a TV. Conforme havia planejado na noite passada, precisa fazer um currículo e procurar emprego. Abre a página do Word e procura um lugar para bater a cinza do cigarro, uma xícara com um resto de cerveja é o lugar perfeito. Na TV o jornal anuncia uma crise econômica. O cursor pisca e ele começa pensar em como deve se apresentar, o que falar de si. Dá uma tragada e arrisca: “Caro senhor diretor dessa empresa de merda, eu sou um merda como vocês, me deem logo essa merda de emprego que eu preciso de grana pra comprar umas bufa e comer umas putas. Obrigado e vai tomar no cu.” Olha para página e ri, apaga e tenta novamente. “Sou moreno, alto, olhos azuis, cabelo bem aparado, porte atlético. Procuro mulher casada (ou não) que queria me sustentar em troca de sexo. Não sei cozinhar mas lavo louça.” Apaga, levanta da cadeira e deixa o cursor piscando na tela. Lembra que ainda tem três latas de cerveja na geladeira e decide que aquele vai ser seu café. Abre a latinha volta para o computador. Senta e recosta na cadeira. Pergunta para si porque é tão difícil encontra um sentido nisso tudo, por que é tão complicado saber se portar perante a ganância do mundo, mas pensa logo em um copo de whisky sem gelo e sua boca saliva. Precisa encontrar um emprego decente, quem sabe tenha chegado a hora.
Foto de Nicholas Dominic Talvola.