João Rocha

A AUTOMAÇÃO DE KRAUS ROCCO

Ainda não podemos afirmar com a precisão absolutamente científica que a Inteligência Artificial é um advento consolidado em nossa época, quiçá seja nos tempos futuros duradouros. Ou esteja transvertida de pequenas armadilhas que envolvem – como teias intransponíveis – os pequenos seres deste mundo, como o pequeno Kraus Rocco. 

Os dias estavam calmos finalmente. Entretanto, a relação de Rocco com a mãe permanecia uma incógnita extrema, perversa. Desde quando o lúdico menino ganhou de presente do pai o oneroso aparelho digital as coisas mudaram por aquelas bandas. Rocco costumava atravessar para o outro lado do país - escavando com pedaços de talheres – a terra em busca de algum tesouro deixando por algum inacreditável ser do passado em outro país. Como sua imaginação ativava os menus das espaçonaves e pairava no ar imitando os pássaros magistrais. O quintal por vezes, um verdadeiro exoplaneta que tinha uma gravidade que apenas roçava as canelas do menino. Entretanto...

Tudo foi digitalizado na mente inocente do garoto.

Os próximos meses seriam de uma certeza inflexível. Rocco se afastara de sua família, tornava-se aos poucos um peregrino em sua própria casa. Na margem de um casal invisível, que não o via além de um elementar domínio. Rocco finalmente tinha o que dizer na escola. Personagens virtuais intransponíveis, lugares cheio de senhas, zipados por ciborgues ocultos manipuladores, estas eram a deixa para diálogos com os colegas ultramodernos. No entanto, nas rodas de conversa aos domingos, Rocco era aquele sujeito inalcançável, indiferente as mais clássicas piadas, pálido, seu olhar remodelava estranhas manifestações de desejos desaparecidos. Seu semblante aos poucos lembrava os guerreiros em preto e branco dos mangás japoneses. Lembrava agentes disfarçados dos filmes de espião em ávido desejo de frieza. Rocco trazia em si algum tipo de silenciador de ruídos, tudo para não atrapalhar sua performance à frente da geométrico aparelho imperativo.

Certa noite, ao ver a mãe chorando após uma pequena discussão com o pai, Rocco esperou o jogo chegar ao seu final, para só então abraça-la. Na sua concepção, a tristeza da mãe era algo que poderia esperar, não havia qualquer urgência, o consolo era uma ciência que jamais havia sido apresentada para o menino Kraus Rocco. Naquele instante, a mãe, limpando de seu rosto as derradeiras mágoas que saltavam como pássaros debilitados - que ao se recuperarem - alçavam pequenos voos em altitude baixa, antes do grande salto proporcional a sua confiança, ela olhou o menino e seu indissociável aparelho, percebeu que havia um abismal espaço entre si e eles.

Quem era Rocco? Um clone digital fantástico? O que antes era um personagem inanimado em mundos cobertos de orvalhos oníricos, animais jamais catalogados e brinquedos inquebráveis, naquele momento, era um objeto dominado pela ausência de si mesmo. Mudez cadavérica sobre a tela hipnótica. Sujeito estático de incompreensível palpitação congelada. 

Naquela observação, sem confessar, planejou o fim da máquina para aquela exata madrugada. Arremessaria esta em alguma cratera e a engenhoca virtual seria pisoteada pelos carros ferozes do cotidiano. Assim...

- o que está fazendo mãe? Surpreende Rocco a sua mãe que estava quase saindo do quarto tomado pela penumbra das horas que eclipsava seu rosto. – Rocco, ainda está acordado. – Sim. – Para onde está levando meu aparelho? Naquele espectro de segundos, a mãe, tomada por algum tipo de medo maquinal, algum tipo de maniqueísmo hodierno, algum vulcanismo metafísico - que lhe subia em suor e desespero - Pensou em correr, fugir com o marido e abandonar o menino para não ter que enfrenta-lo. Pensou em deixar uma carta explicando tudo ou algum e-mail pedindo permissão para desaparecer com a máquina estática intrépida. – Você vai me responder? 

Ao não o ouvir chamar de mãe, esta sentenciou alguma absurda constatação. Rocco precisaria de senha passa ser acessado. Senhas perdidas entra a infância irreparável.

Foto de Alex Stoddard.