João Rocha

O CONTRAESPAÇO

Quem poderia imaginar que ele, José Dixzupt, teria este destino? Nem ele mesmo. Desde pequeno nasceu para ser um conquistador de corações enigmáticos. Também do espaço entre os transeuntes. Mestre, na mágica construção de cidades ou quiçá de pessoas num mundo desbotado. Todavia, a verdade é que os ponteiros implacáveis apontavam direções opostas em círculos. Ser criança lhe alimentava a doce ilusão da atemporalidade, do outro lado, Dixzupt teria as respostas que jamais procurara. Quando ele resolveu calçar suas botas e montar no vagalume medonho e fugitivo - rumo aos remotos vislumbres - sua pressa estava aos poucos sendo decapitada.

Já estava adulto. Responsabilidades gemiam entre suas meias e o esquálido bolso cheio de moedas estrangeiras. Para onde iria além do elementar jogo de sinais da modernidade. Sonhava com abduções alienígenas e longas viagens aos povos antigos. Escrevia intrépidos tratados invisíveis sobre as virilhas solitárias das esferas diurnas - ou melhor - nas horas do intervalo entre o alvoroço pueril da esquina durante o horário de pico e o cigarro demente da rompante loira e seu carro indestrutível. 

Sim, José Dixzupt estava envelhecendo sobre a neve de suas próprias alegações. Caro amigo leitor - não quero polemizar sobre as páginas sintéticas em longas alvoradas de versos repetitivos - no entanto, era eclipsante para todos ao seu redor, os motivos. O mito em torno da falência múltipla dos sentidos de Dixzupt rondava todas as vielas, até àquelas que jamais o conheceram. 

Alguns diziam que era sobre algum amor platônico que o mesmo havia contraído em alguma lua de Júpiter em suas idas e vindas pelo futuro. Não creio. Algumas senhoras antigas - daquelas que falam até pelos cotovelos das suas próprias salivas - diziam que José sentia falta do pai que jamais teve um dia. Oh, não creio. 

Para os malandros da esquina, tudo não passava de uma fase que poderia ser resolvida com substâncias antigas à base de flutuações cadavéricas, mas não sabiam dizer ao certo sobre a tal decadência intangível de nosso herói. 

José Dixzupt já não era mais visto bebendo sua vodca ao lado dos companheiros de copos abaixo das árvores também embriagadas. 

Dixzupt também - diziam - teria se transformado em um monge montanhoso isolado na órbita oculta de outras civilizações, remando em uma embarcação construída com tutoriais cavernosos. Quem poderia deixar de acreditar. Não víamos mais este jovem ilusionista dos povos ancestrais dos pensamentos livres. Nós, que batemos ponto todos os dias na precisão cirúrgica compromissada, no engessamento imperceptível do amanhã, apenas sentimos sua falta. 

Certo dia, redigi uma carta aos aglomerados mais distantes que se tem notícia, tinha esperança que as palavras encontrariam José Dixzupt em algum pulsar no meio do espaço. Enquanto isso, eu continuo lutando contra a gravidade em batalhas covardes. Enquanto um grisalho e lamuriante germe corrói meus sapatos futurísticos. Enquanto espero o sinal mental de Dixzupt...Na certeza ferrenha que temos que ter do amanhã. Na religião-tubarão pronta a te abocanhar para a margem do solo. Onde cúmplices soldados lutarão pela sobrevivência das tuas memórias em épicos esquecimentos múltiplos.

Foto de Nicholas Scarpinato.