Francisco Solar

DOS DIÁRIOS DE JEAN LUC GODARD DURANTE AS FILMAGENS DE 'OS DIÁLOGOS' DE PLATÃO NA ÁFRICA/ PARTE 1 DE 5

1.
No início é o som
Ouvir é ver
A voz dos olhos escrevendo
em uma língua anterior ao pensamento
A felicidade não tem história,
se movendo sempre
fora do tempo
para destruir o amor
a partir da solidão e também o contrário
Mallarmé saindo do ‘Erro Trágico’
para escrever uma página em branco
As teorias se apagam , as rãs e os cães continuam
Sentem a guerra de outro modo
Os filmes também irão desaparecer
como os sonhos
dos não-humanos
e suas memórias que foram apenas um híbrido
da programação das tv's e dos celulares
sem novas narrativas, novas formas
A guerra entre os olhos e as palavras
entre a terceira dimensão e a quinta
há dois mil anos
entre a interioridade etérea
e a exterioridade abstrata
ambas tatuando
uma essência onírica na pele da realidade
que deveria tornar possível
a existência do direito à criação
para todos
isto no lugar da democracia
porque se baseia
como o espírito
no sangue derramado
dos animais
A pergunta de Wittgenstein sobre
O que diria o Leão
Atravessando o silêncio de Rimbaud
O silêncio daquela barricada de cabeças
O que é isto no meu bolso?
A carta de um estúdio de Hollywood
propondo um filme sobre Artaud no México
com Johnny Deep
melhor filmar o Real
para isto terei de desligar a câmera
me deitar embaixo daquela árvore
e descansar um pouco,
ela é como um sono sem sonhos.
Issa o ator negro que faz Sócrates
aponta para o Sol
e diz que a verdadeira câmera está lá dentro.
‘incluir isto no filme’
Ai Wei Wei que faz Platão
acaba de chegar
‘Vamos filmar com a câmara desligada ‘
digo
aponte a câmara para o Sol
e deixe filmando
me ouço dizer.

(Da série ‘gaveta de guardados‘)
Novela escrita em verso livre.

Foto de Alex Stoddard.