Oscar Bertholdo

SEPTIMPROVISO

A SOLIDÃO É ANIMAL IMÓVEL SEM DISFARCE
mas foi preciso antes sugar o mel, não escondo
o hábito de ter na própria face a áspera exatidão
de um nome muito curto de dizer, teu olhar vai passar
sem sonho, o cavalo pasta o medo, o vento desprende
meus cabelos, a solidão tem ossos e pedras e perdas, range
o silêncio, sou profeta de barro, tive amarradas
as coisas mais ternas, é bem a história do meu corpo,
desconfio de tudo o que não ande só, vou instaurar
a solidão, de repente pronuncio o nome dele,
chove e o outono se equilibra nas árvores sempre
ausentes ao longo do caminho, agora é a vez
de reunir e a solidão desenha brinquedos, tua
sombra, os meses, minha urgência de vadear
o abismo, foi preciso ainda a mesa da palavra,
o amor e a morte, estou vivo, possuo pássaros
que cantam na manhã temida, invento a véspera
só para emudecer a verdade, late um cão
concreto, certamente há de haver um verso
no vão do desejo, amo e morro, finjo que não sou
imperfeito e tranquilamente desce sobre os vocábulos
extintos a astúcia da fala, a solidão existe
e embebe os objetos, o tempo que não passa
sem resíduos, choro e respiro, nunca deixo
de repetir teu nome, nos é restituída a travessia
e a memória é curta, a paisagem é curva,
a solidão não se desvia e ninguém oculta
o ventre armado, o que é derradeiro faz-se
constante, trunco a flor, enredo lembranças
tristes, fixo teu rosto também triste e
a renúncia bifurca outra vez o que acredito,
sou emotivo, claro que se exclui daqui
a emoção prosaica, meu poema desfaz sem
disfarce o poeta, animal de solidão móvel.