Márcia Barbieri

A PUTA (Trecho: o corpo sabia)

O corpo sabia obedecer às ordens primitiva. Mergulhei a cabeça até o fundo, até me misturar com o liquido, até perder o ar, até não ver mais as borbulhas, não escutar o estalo da minha pele contra a água, até o barulho não fazer mais sentido. Até nada mais fazer sentido. Até todas as notas se fundirem em um único uivo, um grunhido desesperado. O carvalho fendido. O peixe morto boiando acima do meu riso. A outra orelha do silêncio. O silêncio amarelo sujo e pastoso. O eco redundante das palavras, Círculos e círculos e babas escorrendo em direção ao peito e nada foi dito. Um zumzumzum de ignorantes. Em todas as rodas de conversa nada mais do que a função vazia e enfática da linguagem. A mesmice corroeu todas as papilas gustativas. Era penoso manter um diálogo porque as conversações não passavam de uma tabela, estavam ali, nítidas todas as perguntas e todas as respostas com pequenas variações, era fazer um x e depois outro x e depois x e depois outro, não era possível errar ou se confundir, tudo era muito claro, os pensamentos e os pensadores de toda a humanidade estavam ali, era um jogo, uma análise combinatória. E na minha mente todo esforço era inútil, não havia como sair do fosso que cavamos. Eu saia preocupada em como me afastaria do silêncio se tudo me levava até ele. A traqueia atravessada pelo arpão do arcanjo. A amídala inchada de devaneios. O homem dominou a palavra e a palavra o enforcou. De onde tiraria outro fôlego? Se tivesse duas mãos apertaria a garganta da humanidade para escutar seus gritos, seus gemidos. A boca escancarada de Deus, a língua obcecada impregnada do universo.