Julio Urrutiaga Almada

POEMA DE TIGRES

01
As garras são os meus olhos,
Esses que eram de qualquer outro,
E na ousadia de minha madrugada
Os instalei de súbito em meu corpo
Olhos renascidos de não morrer
Onde a morte lhes visita a gravidade

02
Instantâneos e profundos como a saudade:
Noturna matinal arenosa e incômoda.
Lobos aves folhas e o olhar de um poço,
Labirinto circular de meus passos felinos.
Os tigres dos gritos do meu corpo Arrasto e não ouvem.
Desfolho Sem saber,
o intento no meu rosto.
O meu sorriso não tem dizer.

03
Tigres de vôos não vistos
Não há como ver a altura do imprevisto;
Nem como fugir a fuga dos que tem a sina;
Nem como ser luz do que perdeu a vista,
Sem ser brilhar e entorpecer.
Os designados nunca são inteiros
Carregam em seus passos: pés dilacerados:
As pernas, os fatos e as dores.

04
Não há destino exato para a semente no deserto.
Para a implacável incerteza desperta.
Para o doer dos tigres que desperto.
No tigre dói a não investida,
E assim o tempo cria em mim as suas dores.

05
Se persigo veloz tudo o que quero:
O fel tenho do não ter e das vontades;
Se passeio ronda a fera como fera
A vontade que era grande me dilacera.
Sedento da fonte que não seca,
Faminto nas raízes da terra.

06
Quebro a armadilha do labirinto:
Inimigo do transitar das presas;
A prisão do desejo me encarcera.
Os gemidos solitários do secar das ervas:
São explosões inimagináveis do que se queima,
Fogo: angústia nas garras - olhos,
Captura a dor e a corrida do que vejo.

07
Não chamarei de tristes as afiadas unhas,
Nem de solitárias as vítimas da caçada.

08
Há os que praguejam seu destino.
Há os que o destino afaga e cala.
Há no círculo de luz a funda vala
Da fogueira extasiada de algo haver faltado:
Dois dias dois sábados dois olhos,
Ou a mágoa não ter evaporado
Ou a viagem interceptada de lábios
Que queimariam a febre da fogueira.

09
Quebro nesta tarde com meu correr de tigre:
O braço da sina que me abraça.
Deixem-me por entre flores negras,
Por entre minhas não suavidades:
O tigre que sou - Só garras.
O homem que sou - Só olhos.