Frank Vilar

POR ALGUM MOTIVO

Por algum motivo uma fumaça branca começou a entrar pela janela. O Sr. Carlos, sentado na cama, digitava poemas em seu notebook quando o cheiro de queimado começou a incomodar. Fechou a janela e acendeu outro cigarro. Não parou pra pensar de onde vinha aquele fumaceiro, apenas queria um pouco de paz para digitar sua poesias. Não passaram por sua cabeça nada mais que interjeições, palavrões. 
Precisava voltar para suas metáforas. Onde estava mesmo? Algo com dragões? Algo sobre sarjeta? Alguma coisa brilhante, cheia de vida? Teria algum alvo específico? Ele seria assim tão cretino para destinar um poema a alguém, usando esses verbos, esses substantivos? Alvo, destino? Cretino, com certeza. Cretino era uma bela palavra. C-R-E-T... escreveria, e escreveu. 
O Sr. Carlos sempre foi um cabeça-dura. Contava caracteres, contava. Fetiche. Parou um pouco, acendeu um cigarro, olhou para o teto; quem ele pensava que era? Jean-Paul Belmondo? 
Voltou ao trabalho. Escrevia como se estivesse carregando sacos de farinha, na verdade decidiu sentir-se assim. Às vezes decidia tais coisas. Mesmo com a janela fechada, um nevoeiro fedorento começou a se formar em seu quarto. Quarto. O ventilador cheio de poeira, ligado na última velocidade, não dava conta. Calor; um calor tal qual o próprio diabo estivesse soprando flores, como aquelas camponesinhas das caixas de colônia que ele via no supermercado. 
Elas dançavam com cestos de margaridas na cabeça, e também dançavam ali, no poema que escrevia. Muitas coisas dançavam nos poemas que o Sr. Carlos escrevia, a propósito. Suas mãos suavam, seus pés suavam. Tirou a camiseta branca que vestia e enxugou as mãos. A tela branca se enchia de insetos. Cupins voavam. Era madrugada? 
Era dia. A janela estava aberta instantes atrás, ora essa. Olhou as horas no relógio do notebook, acendeu outro cigarro. O Sr. Carlos estava se cansando. O cheiro de queimado agora era insuportável. Acendeu outro cigarro no que tinha acabado de fumar e parou de escrever. 
Começou a pensar, agora sim, a pensar. Não via um palmo diante de si.