Diego Moraes

O AMOR FAZ DA GENTE UM ESCRAVO DE UGANDA A SERVIÇO DE IDI AMIN

O silêncio da paz está no seu peito
Quando deito minha cabeça nele de madrugada
Quando deito de crimes que cometi pela manhã
Defendendo estelionatários no fórum de São Paulo
Só Franz Kafka sabe o quanto é doloroso ser advogado
Nesta cidade empestada de psicopatas
Nesta metrópole que se mata por 1 real
Te vejo nua
Resplandescente
Lendo os poemas daquele búlgaro logo pela manhã
Tomo banho
Visto meu terno cheio de sangue
Você diz "passa na farmácia e compra pílulas novas. Minha menstruação atrasou. Você precisa gozar fora esse mês. Um bebê agora foderia tudo."
Encho minha bolsa com processos pesados
Como o do maníaco que matou 27 médicos do SUS
Por vingança
Por não terem atendido seu filho com asma numa tarde chuvosa de domingo
Você pisca da cozinha
Manda beijos
Pede que pegue sua mãe no salão de beleza
E ele para casa da sua tia
Só deus sabe o quanto odeio sua mãe
Relevo
Passo a terceira marcha do meu Honda Civic
Ignoro as besteiras que ela fala com as unhas pintadas de vermelho e a cabeça cheia de bobes imitando dignamente a dona Florinda
Canto mentalmente Belchior enquanto sua mãe não para de falar num casamento chique
Poderia chutá-la agora mesmo do carro, mas estragaria tudo
Não nego as coisas que minha mulher pede
O amor faz da gente um escrevo de Uganda
A serviço de Idi Amin.