Diego Moraes

TRANCA RUA

Tocou baden powell, tom jobim, cartola, paulinho da viola e a garçonete roçando os peitos na minha cara toda vez que abria garrafas de antártica. "me espera até 4 da manhã?" e a peteca de pó brilhante e amarga no bolso. Saravá. Tranca rua anda comigo. Tranca rua me protege contra as artimanhas da vingança e os embaçamentos do amor. Fomos para outro bar onde o silêncio umedecia seus lábios de pomba gira cheia de cicatrizes de humilhações e abusos do pai sargento da PM. "papai me tocava na infância. mamãe via tudo pela brecha da porta". e cheiramos uma, duas, três, quatro e vinte e cinco carreiras no assento da privada do banheiro e uma hora a dona do recinto enjoou da nossa pegação e malícia e disse "tá bom. vou fechar. brigadinho pela presença. sexta-feira que vem vou fazer churrasco e x-salada. apareçam." Aí entramos num táxi e descemos numa favela sinistra da zona leste. continuamos trepando, bebendo, cheirando e quando acabou o dinheiro vendi o tênis, o relógio, o celular, o cordão de ouro que ganhei de herança do meu avô e uma camiseta original do palmeiras. Zé pilintra rindo e querendo mais. "abortei um filho de papai. Ele pagou clínica e tratamento. Meu útero ficando desse tamanhinho assim (e fez uma bola com as mãos como se fosse uma gruta doce que apanhamos na fruteira da cozinha). Fugi. Ninguém sabe que estou em Manaus. Aqui é melhor que Cuiabá. e uma hora eu disse que não queria nada da vida. Que poderia ser qualquer coisa, mas escolhi ser poeta, que poeta tem peito de chumbo quando bota o lirismo na frente dos bois. Ela chorando. Esquentando meu peito com lágrimas quentes de cachoeira das almas. "fica comigo. casa comigo?" e eu entrando em paranóia. a cabeça em parafuso "preciso cair fora daqui. Essa mina é uma cilada braba. Vou me foder. Quero meu computador com a pasta do meu romance. Estou com saudade do meu cachorro." e levantei feito Golias abatido por uma pedrada de Davi e saí só de bermuda com mil Exus amarrados na serpente tatuada nas minhas costas. O nariz sangrando de tanto cheiras o precipício do amor. Ela gritando."Diego! Diego! Fica!" enquanto descia a ladeira da avenida com nome de ditador. Montei num moto-táxi. A brisa gélida enxugando meu choro. Uns falam que o pai mandou matar. outros falam que a mulher de um traficante deu quatro tiros na cabeça. A covardia de não ter abraçado o amor dói no rim até hoje. Ela morreu sem saber que meu próximo livro tem seu nome na primeira página junto com poema tão lindo quanto o sorriso de uma criança que ganha bicicleta nova. O amor é uma retroescavadeira acabando com o coração.