Dália Éstes

RODA GIGANTE

Roda-gigante dos meus medos. Eu no parque na hora errada. Eu no parque quando o vento sopra. Eu no parque de pés descalços. A roda não cessa o giro. A roda não cessa uma ciranda vertical do céu ao inferno. A roda é lenta e atrasa os medos inquietos em cada cadeira. Eu pulando do alto com meus medos. A tontura da xícara com o café borbulhante do meu cotidiano. A tontura da xícara que gira para eu não perceber o momento da queimadura. A cabeça que cai na alça da xícara do meu cotidiano, dopada de antidepressivo, queimada de café passado. Eu correndo de pés descalços na madrugada do parque vazio. Eu no carro que desfere os golpes dos meus sonhos não localizados. Eu recebendo o sangue na boca como quem recebe uma única coisa na boca na hora da fome. Eu ligada aos cabos de uma pane elétrica silenciosa que ilumina o acidente num disfarce de brincadeira, as risadas do meu corpo destroçado, as risadas das pessoas que já morreram destroçadas em outros carros em pane. Eu procurando quem desliga os brinquedos. Eu procurando a saída do parque. Eu encontrando apenas a entrada do parque. A montanha russa da roleta da máfia escondida no parque. A montanha para que eu erga como um atlas hipnótico no parque. A Rússia gelada da minha queda do alto. O pino da montanha russa sabotado. Eu caindo no barco de um pirata nojento e apaixonado. Eu sequestrada num barco sem mar. Eu enjoada pela falta de ondas do mar. Eu apaixonada pelo pirata sujo do barco. Eu correndo no parque, eu no palco do mágico. Eu saindo de uma cartola apertada, marcada na pele, amassada no peito. Eu girando a esperar as facas jogadas das mãos de um cretino com bandana dourada. Eu deitada esperando que me cortem ao meio.