Dália Éstes

ENGASGUEI-ME 

Engasguei-me. Acho que algo se atravessou na garganta, no caminho da fala. O que eu sinto ficou lá embaixo. Escombros de um prédio de três andares dentro do meu pescoço. A cada minuto que anda - o mundo nunca fez a gentileza de parar, essa ganância maquiavélica - as chances de vida lá embaixo diminuem. Aprendi com os bombeiros. Eles não contam por pena, mas pararam as buscas. Vestiram um palhaço com aquela farda pesada, deram-lhe uma máscara de oxigênio e pediram que ficasse dando voltas em círculos, eu o epicentro de uma chacota desumana. Pelo menos ele encardiu a pele de fuligem por mim. Ele me amava. Me amava muito. Por isso mesmo que eu tivesse medo de sua aparência de assassino de filme de Stephen King, eu apertava sua mão e ainda pedia ajuda. Fingia acreditar que ele podia me salvar, porque de outro modo, ele não ficaria ali me enganando. Ele iria embora. Deus podia ter me enforcado até o fim. Ao invés disso, solta as mãos cada vez que ameaço chegar perto da morte, seu movimento erótico de entrar no abismo, sair do abismo, entrar no abismo, sair do abismo, rir igual o palhaço que não me ama.