Cruzeiro Seixas

ALI MESMO PAREDES MEIAS COM O FOGO

Ali mesmo paredes meias com o fogo
estava talvez eu
olhando o teto como se olha um prado
com rapidíssimos malmequeres descendo a abismos profundíssimos
onde incessante murmurava uma fonte de trevas
de sangue de horror
verde-bronze.

Olho-me em função do que vejo nos outros
quero dizer
que os outros são o meu espelho.
Sou por compensação e por reação
e assim espelho de feira
o desequilíbrio cósmico
não me é dado.

A minha problemática parte daqui.
Evidentemente que deveria ser o contrário disto
não ouvir não olhar não comparar
ser eu ainda
um oceano desconhecido.

Mas pelo contrário sei que sem os outros
não seria movimento;
tudo o que faço é como uma reação à chicotada
que é minuto a minuto
o dia a dia.

Escrever ou pintar
não parecem forma de me encontrar
de me esconder de te encontrar.
A lentidão destes veículos
é sangue no asfalto.
Não tenho certezas a incutir nos outros;
as chaves que uso ou que vejo no espaço
todas me parecem excessivamente frágeis
ingênuas viciadas
para a grandeza requerida do empreendimento.
Tudo o que faço e o que não faço
transcende de muito no entanto
o visível o palpável
o imaginável.

Entre mim e mim
há o infinito da proximidade.

O caminho aberto ao homem
é o do erro
a mentira a deturpação o sub-reptício;
é em todos os pontos cardeais
a impossibilidade absoluta de comunicar.
Que terríveis concessões para chegar a este amor sublime
que ninguém vê!

Será que os espelhos
agem por medo
em estado de pânico?

Cada peito uma rocha
e tudo espelhando dissonância
como uma jangada
enquanto esperamos da chuva uma qualquer verdade
- qualquer serve -
para enganar as fomes em equilíbrio estável
entre dois continentes incontinentes
uma vida como um mineral
outro a morte esse vegetal eternamente desconhecido
no mar
como num leito em fúria.