Alberto Alencar

OBSÍDIO

     Pedi mais uma dose de vodka com vermute. Baixei a cabeça, acariciando a nuca. Acabara de me decidir, findaria esta situação que há tempos consumia minha alma. O garçom, imbecil e dinâmico, serviu-me, logo então pousei uma cédula sobre a mesa, levantei-me e pus-me a caminhar rumo ao apartamento.
     Estava tão próximo. A cada passo meu coração acelerava, sentia pulsações em algumas partes do corpo. Tentava a custo montar frases que lhe diria afavelmente segurando em sua mão, tão branca e macia, que até conviria um estalar de tapas em meu rosto cínico. Atravessei a avenida movimentada, cheia de carros desvairados, avistei a suja fachada do pequeno prédio que comportava meu lar de mentiras e amor.
     Abri a porta, que rangeu bastante. Ela estava sentada no sofá da apertada sala, bem ao lado da porta do quarto, segurando um livro de poesias que fora seu presente em nosso último aniversário. Em seu rosto pouco maquiado estendia-se um sorriso de menina, alvo e inocente, repleto de libido inconsciente. Assim que me olhou, minha aparência de monstro triste fez com que fechasse o rosto e baixasse o livro sobre as pernas nuas, arredias da saia. Suas sobrancelhas encolheram-se e seus olhos langorosos aproximaram-se dos meus, nada acalentadores. Abraçou-me e proferiu próximo de meus ouvidos palavras tranqüilizantes, em intuito de fuga.
     Empurrei-a com ferocidade. Seus pés atrapalharam-se e caiu ao lado da mesinha repleta de porta-retratos já quebrados por outra infame ocasião. Por um instante me olhou, amedrontada, em trépidos soluçares. Umedeci os lábios e levantei-a com carinho, abraçando-a ternamente. Confuso e mudo, segurei firmemente em seu pulso e joguei-a contra a porta do quarto que se abriu. Ela correu e ajoelhou-se sobre a cama. Desesperada, falou-me coisas que não me recordo devido à intensa confusão que se apoderou de minha mente neste momento.
     Passei a mão no rosto suado e sentei-me a seu lado, segurando ternamente seu queixo. Ela apanhou minha outra mão com ainda mais ternura. Chegara a hora de contar-lhe tudo que por todo o dia eu planejara contar.
     Fitei fixamente seus cílios avermelhados. Então lhe disse:
     - Prepara-te para a dor que tenho a te impelir.
     Ela não hesitou menção de fala, permaneceu calada e menos assustada, embora a intenção de minhas palavras não fosse esta.
     - Hoje eu traí você. – Esperei dois segundos para confirmar sua reação, mas ela permaneceu estática. – Mais uma vez. Há um ano venho transando com uma garota de dezenove. – Como eu esperava, um fio de lágrima desceu pelo seu olho esquerdo, bailando lentamente pelo belo rosto rosado e morrendo nos beiços de cetim tão vermelhos quanto o próprio sangue.
     - Por quê? – Sua voz rouca mal chegou aos meus ouvidos. Seu semblante causou uma ardência atrás de meu pescoço. Ela soltou minha mão, baixou a cabeça e pôs a balançá-la em uma negação de desalento.
     - Aconteceu. Apenas aconteceu, não foi intencional. Não posso dominar minhas paixões. Talvez eu não seja a pessoa... – Então ela interrompeu-me com um grito e imprecações desnorteadas, proferidas aos quatro cantos do pequeno quarto de aluguel.
     - Não me diga isso! – Gritou desafiando-me com o indicador em meu rosto de homem. Abaixei sua mão. Logo enfraqueceu seu corpo, anunciando que era apenas uma fêmea indefesa.
     - Você a ama? – Perguntou-me, fingindo postura decidida.
     Então tivemos uma conversa onde se mesclavam meu tom apático e o seu desesperado:
     - Sim. Vou me casar com ela.
     - Cansou-se de mim? Não me ama mais?
     - Não, não cansei.
     - Não me ama?!
     - Não. Amo você também.
     - Não me deseja mais? Não tem vontade de transar comigo?!
     - Sim, tenho. Você quer transar agora?
     - Por que isso? Ela é melhor do que eu?!
     - Melhor como? 
     - Você sabe do que estou falando! Ela é melhor do que eu?!
     - Sim. Ela chupa melhor.
     - Você não pode fazer isso comigo!
     - Posso. Quero que você vá embora agora.
     De modo violento ela caiu de joelhos no piso molhado de lágrimas feminis. Parecia descontrolada. Arranhava seu corpo. Por um instante pensei em impedi-la, muito me incomodava assistir à destruição daquele corpo tão lindo que tantas vezes possuí.
     - Me abraça! – Gritou, mas desta vez, como uma filha clama para o pai.
     Prostrei-me sobre sua forma lânguida. Abracei-a e beijei seu pescoço. Seu ombro estava nu, a alça da blusa caia sobre o braço. Beijei seu ombro, descendo pelo colo. Sua boca procurou a minha, beijamos um beijo salgado. Com a mão direita apertei sua cintura, o que lhe causou arrepios, sempre causava. 
     Avidamente a despi. Primeiro a blusa e o sutiã, de maneira carinhosa, acariciando os seios com a língua. Subi as carícias, até chegar aos seus lábios de alfazema, enquanto tirava sua saia curta e azul. Arranquei brutalmente sua calcinha logo após de penetrar-lhe a vagina com os dedos. Ela gemia e chorava, abria as pernas, deitando as costas no chão de cerâmica branca.
     Hesitei em acariciar oralmente a greta ou engolfar brutalmente no ânus. 
     Não o fiz. Levantei, baixei os cílios e cruzei os braços.
     - Menti. Não desejo mais você. – Afirmei com impertinência.
     Vilipendiada, descontrola, em pânico. Correu transpassando a porta aberta.
     Segui-a. Ao pé da calçada, na rua em frente ao feio prédio, um motorista perturbado gritava horrores e se auto-injuriava. Aproximei-me devagar. Minha mulher, ou ex-mulher, olhava-me com o último olhar de sua vida, fascinante.
     Nua, lacrimejante.
     Jazeu insinuante e majestosamente.